14.1.18

METAFÍSICA

No limiar da consciência
um deus espreita. É impalpável
e frio e não é omnipotente
ou omnipresente: Espreita
e facilmente se vence
ou ilude. Não promete
a vida eterna mas lembra
a silenciosa certeza
da morte eterna.
É lúcido e não metafísico,
não existia antes de nós,
mas em nós germina,
em nós vive e connosco
perecerá.
É um deus com que retomamos
diariamente o diálogo interrompido
de Ulisses. Um deus que
surge a horas mortas na
memória do que somos
e não é um deus, mas
o julgamento dos actos que, somados,
somos. É um outro
ser que somos e sendo outro
nos olha com outros olhos
que nossos são. Nos olha
e fita, nos olha e fita
e faz significar olhando.
No limiar da consciência
é um deus que espreita.
E eu, irreligioso,
me confesso ao deus que
em mim me assoma.

Rui Knopfli

Nada Tem já Encanto - Poemas Escolhidos, Selecção, Pedro Mexia, Prefácio, Eugénio Lisboa, Tinta-da-China, Lisboa, Outubro de 2017

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